terça-feira, 31 de maio de 2011

Espelho

Olho pela janela e vejo um rosto. Cansado, amarrotado, mas ainda assim belo! De quem será aquele olhar triste? Aquele olhar vagante e singelo, aquele rosto que diz demais sem dizer! O rosto que sereno parece bradar, como que a ver se ainda existe.

Aproximo-me para melhor ver, para a alma daquele rosto conseguir espreitar. Mas o velho rosto observa-me igualmente mais de perto. Também a mim me quer perceber! Parece impossível, mas é como se o ouvisse! Como se o entendesse, sentisse! Em poucos segundos viajei na sua terna infância, na sua audaz adolescência, no seu curto e controverso amor imenso, na solidão da sua velhice. Como se sentisse a dor das perdas que suportou, o peso das mágoas que ainda carrega, o sabor amargo das suas lágrimas que escorrem.

Aceno na tentativa de alegrar aquele rosto molhado. Com igual aceno me retribui. Ele leu também a minha alma. Ele, tal como eu, viveu a minha vida, em segundos. Não pode ser! Apercebo-me que, tal como a sua, a minha não fora fácil. Mas como poderei eu ser ainda tão jovem depois do mesmo padecimento? Porque ficou aquele rosto que vejo tão marcado?
Estendo a minha mão para a janela. A mão daquele rosto agora tão familiar toca na minha. A simetria que nos une transformou-se na explosiva revelação. A vida era a mesma, a daquele rosto e a minha! Mas, em segundos, eu vivera-a ao contrário!

Estão, depois de abandonar a solidão para sempre, amei loucamente, amei eternamente, até me tornar uma adolescente irreverente e destemida, até correr para o colo daqueles que me criaram, daqueles que mais me amaram!

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